domingo, 27 de janeiro de 2008

Sistemas binários

Eles queriam coisas diferentes, mas ao mesmo tempo se queriam. Pararam e pensaram cada um por si, e acharam melhor dar um fim. Já não mais se acertavam. Ambos precisavam um do outro, mas a necessidade era diferente. Ele já não agüentava mais ter que se dar prazer toda a vez que ela virava o rosto para o lado oposto ao seu, na cama. Ela já não suportava esperar sozinha, com jantar e vinhos preparados, e perceber que ele além de chegar tarde, não dera bola para a mesa e as velas acesas.
Já não tinham horários compatíveis. Ela queria aquele sarau de poesia, no domingo à tarde. Ele não dispensava a cerveja com os amigos. Ela preferia à matemática, enquanto ele se debruçava nos livros de contos contemporâneos. Ele queria pular de asa delta. Ela ficar esfregando os pés por debaixo do coberto, naquela manhã de sábado.
Eles se queriam, mas já não havia saco um para o outro. No dia do ponto final, ele suspirou e ela acenando com a cabeça concordou. Pela última vez chegaram a um consenso. Nem se lembravam mais quando isso aconteceu da última. Ele pensou: “foi naquela noite, há uns seis meses atrás, quando na praia rolou de tudo, como seria bom se fosse sempre assim”. Já ela imaginou de quando, em plena serra, comendo fondue e tomando vinho dormiram agarrados, apenas dormiram, ao calor da lareira.
Ainda bem que não falaram seus pensamentos, porque com o silêncio, acabaram felizes. Acreditando que no final chegaram a uma via comum.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Manhãs e tardes de sono

Acordou ouvindo barulhos da bola que batia no muro em frente hall de entrada de seu prédio. Na penumbra pegou o celular e viu às 3 horas da tarde de um domingo. Pensou que fosse mais cedo. Sentiu o hálito acre da bebida da noite anterior. O gosto do vômito também compunha a camada pastosa de saliva na boca. Pensou em ir até o banheiro, mas teve preguiça. Passou a mão pelo cabelo e sentiu a gordura do coro cabeludo. Tão jovem e quase careca. Viu o cigarro do lado e o acendeu. Quem sabe assim poderia acordar mais disposto, ou pelo menos mais excitado.
A fumaça subiu bem em frente ao seu rosto. Por alguns momentos notou o teto do quarto. Há tempos já vinha retardando a pintura das paredes, o mofo dava um ar de tristeza e morbidez. O quarto na penumbra intensificava ainda mais essas sensações. Olhou para o lado e só então percebeu o corpo ao seu lado, viu que estava nu e sequer lembrava-se da noite anterior. Era uma garota. Teria o quê? Vinte anos? Quis levantar, mas desistiu. Na boca agora, além do gosto de bebida e vômito, se misturara também o gosto do cigarro.
Voltou a passar a mao nos poucos fios de cabelo que tinha, e novamente pensou que precisava de um banho. Não deu muita bola. Debruçou seu corpo sobre a cama e voltou a dormir, mesmo com o barulho infernal que vinha das batidas da bola no muro em frente ao hall de entrada de seu prédio.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Delírios e uma camisola

"O mais triste de tudo, é a sensação da perda
sem ao menos ter conquistado"

Ela não toma café por causa do barato. Coca-cola e guaraná em cápsula então, nem pensa. O mais próximo da loucura que chega, é quando compra aqueles chás gelados no carrefour, e eles estão normalmente quentes. Mas ela nem reclama pra evitar a confusão. Tem uma vida rígida. Acorda cedo e vai dormir ainda mais cedo. Confessa-se todo mês, e talvez por isso, na última vez, ela encontrou o padre dormindo na hora que era pra ele lhe dar a penitência.
Antes de ir para cama, ela coloca sua camisola grande, branca com estampas de florzinha. Era da sua mãe e mesmo velha ela continua usando-a. A camisola é, praticamente, um manifesto contra o pecado. Qualquer um que tentasse tirá-la desistiria antes mesmo de começar. Os botões sobem até o pescoço, e a manga é longa, maior que o próprio braço dela. Na extremidade tem até uma renda que envolta o punho. A camisola lhe cobre os pés, mas mesmo assim ela costumou dormir de meias. Se ela pudesse amarraria a mão ao dormir. Assim evitaria qualquer tipo de indecências, ou pequenas "festas" com sua parte íntima. Ainda mais agora que começou a ter alguns sonhos eróticos.
Esses sonhos começaram depois do dia em que passou em frente a uma boate qualquer, à noite. Não que fosse acostumada a sair à noite, mas daquela vez tinha missa. Ela tinha que passar pelas ruas vazias, exceto por meia dúzia de gatos pingados. Em frente àquela boate, viu dois caras se beijando e logos depois, duas mulheres. Achou a primeira cena de um grotesco total. Já na segunda sentiu uma espécie de ciúme e correu, porque os calores lhe subiam pelas pernas. Justificou-se com o argumento da menopausa. Duas quadras depois, ela abriu a porta da casa.
Escancarou a fechadura e entrou no seu quarto, a camisola estava sobre a cama. Vestiu-a depressa. E toda encoberta sentiu-se protegida e segura por aquele longo pedaço de pano.
"Meus dias são sempre como uma véspera de partida."
Caio Fernando Abreu

domingo, 6 de janeiro de 2008

O que são os calafrios?

Como pode??? Ontem mesmo, eu estava pronunciando aos quatro cantos que o amor não existe. E hoje, eu to aqui acreditando que eu estava errado. Ou talvez não! O que é o amor??? Quem tem certeza que aquele sentimento que provoca calafrios seja a amor??
Não sei!! E agora, justamente eu que acreditava que o amor era uma ilusão. E que a paixão era uma doença que não te deixava dormir. Logo eu que pensava que o que rolava era só pele, só sexo. Eu agora paro e começo acreditar que estava errado. E o que é pior! É algo unilateral, só meu de mais ninguém. Nem mesmo da pessoa desejada.
O olhar no olhar dela e só isso. Nem um beijo, nem uma aproximação. É algo inaudito e até certo ponto sexual. Eu sei que ela sabe e ela sabe que eu sei, mesmo assim é unilateral, é isolado, é destruidor. A certeza da não correspondência me alucina. O beijo que não tenho. A transa que não acontece. Tudo que marca a nossa distância aumenta a nossa aproximação.