quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Marcel Proust me entenderia

Nunca fui bom em metáforas. A realidade não camuflada é como um soco no estômago. Dói no início, depois passa. 2011 foi como um soco no estômago. Começou dolorido: encarar a realidade não é fácil. O problema foi aquele dezembro de 2010 que terminou esperançoso. Não que eu acreditasse em conto de fadas, mas, estupidamente, flertei com os magos.

Não. Não deu certo. Cara no trabalho, olhos nos estudos. A receita italiana deu certo. O ano ruim virou bom, pelo menos profissionalmente. Trabalho. Trabalho. Trabalho. Rendeu convites, superou expectativas. Dezembro de 2011 acabou mais acanhado do que o do ano anterior. Tanto que ainda nem pensei em simpatias para a virada. Um brinde a Marcel Proust. Sempre vale buscar o tempo perdido.

domingo, 18 de dezembro de 2011

A pele que obsessivamente habito


Nada deveria sucumbir à essência, afirmaria Platão em um de seus diálogos teóricos, às vezes cansativo, mas sempre clássico. O filósofo poderia ser chamado facilmente para explicar as confusões que os sentidos causam em A Pele que Habito. Mas Pedro Almodóvar, embora também tenha virado clássico – no cinema -, em nada lembra a antiguidade. Pelo contrário. Prefere tratar de desconstrução e reconstrução: um arquétipo da pós-modernidade.

O mais subversivo dos filmes, aclamava a divulgação de A Pele que Habito, numa propaganda em que nada parecia novidade. Subversão é a matéria-prima de Almodóvar. O diretor acostumado a explorar temas como a identidade sexual, a estranheza do mundo, o caótico, desta vez, no entanto, os intensifica. E vai além. Explora o medo travestido de ilusão, numa obra em que o obsessivo se torna a tentativa máxima de alcançar a perfeição.



Robert Ledgard perde a esposa, vítima de um acidente de carro. Obcecado pela grande paixão, o cirurgião plástico fará de tudo para recriar a mulher. Vida, porém, não se recupera. Para sua grande missão, o cientista dispensará a ética e fará testes no corpo de Vera. Nas mãos do médico, a personagem vira matéria dos seus desejos. Nas do diretor, ela se transforma num argumento para tratar de culpa, mutação e desejo.

Principal mistério da obra, Vera é a prova das aparências falsas, dos desejos visíveis e do peso que o racional nada mais é do um mote para acalmar nossos sopros emocionais. Almodóvar busca na estética e no visível uma discussão ética essencial: o que é real? Não o responde, é claro. Mas certamente inquieta. Sobre o mesmo personagem destrói e reconstrói. Numa lógica não-linear. Argumentos e tempos instáveis que conversam numa estrutura contemporânea.

Conhecido por suplantar gêneros em favor de uma estética própria, em A Pele que Habito, Almodóvar alcança o suspense e conversa com o terror. O potencial autoral não se perde. O diretor abusa de absurdo e sexo. Joga e fala sério sobre identidade, medo e poder. Aos que não acreditavam, Almodóvar se reinventou, sendo ele mesmo. E voltou ainda mais subversivo, por mais inacreditável que isso possa parecer.