domingo, 18 de dezembro de 2011

A pele que obsessivamente habito


Nada deveria sucumbir à essência, afirmaria Platão em um de seus diálogos teóricos, às vezes cansativo, mas sempre clássico. O filósofo poderia ser chamado facilmente para explicar as confusões que os sentidos causam em A Pele que Habito. Mas Pedro Almodóvar, embora também tenha virado clássico – no cinema -, em nada lembra a antiguidade. Pelo contrário. Prefere tratar de desconstrução e reconstrução: um arquétipo da pós-modernidade.

O mais subversivo dos filmes, aclamava a divulgação de A Pele que Habito, numa propaganda em que nada parecia novidade. Subversão é a matéria-prima de Almodóvar. O diretor acostumado a explorar temas como a identidade sexual, a estranheza do mundo, o caótico, desta vez, no entanto, os intensifica. E vai além. Explora o medo travestido de ilusão, numa obra em que o obsessivo se torna a tentativa máxima de alcançar a perfeição.



Robert Ledgard perde a esposa, vítima de um acidente de carro. Obcecado pela grande paixão, o cirurgião plástico fará de tudo para recriar a mulher. Vida, porém, não se recupera. Para sua grande missão, o cientista dispensará a ética e fará testes no corpo de Vera. Nas mãos do médico, a personagem vira matéria dos seus desejos. Nas do diretor, ela se transforma num argumento para tratar de culpa, mutação e desejo.

Principal mistério da obra, Vera é a prova das aparências falsas, dos desejos visíveis e do peso que o racional nada mais é do um mote para acalmar nossos sopros emocionais. Almodóvar busca na estética e no visível uma discussão ética essencial: o que é real? Não o responde, é claro. Mas certamente inquieta. Sobre o mesmo personagem destrói e reconstrói. Numa lógica não-linear. Argumentos e tempos instáveis que conversam numa estrutura contemporânea.

Conhecido por suplantar gêneros em favor de uma estética própria, em A Pele que Habito, Almodóvar alcança o suspense e conversa com o terror. O potencial autoral não se perde. O diretor abusa de absurdo e sexo. Joga e fala sério sobre identidade, medo e poder. Aos que não acreditavam, Almodóvar se reinventou, sendo ele mesmo. E voltou ainda mais subversivo, por mais inacreditável que isso possa parecer.

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